7.8.09

Merda de Vida - pt I

Merda de vida. Quando eu disse prá Mariana que eu ia embora, ela riu da minha cara como se eu tivesse falando a porra de uma piada. O que detesto é quando vem esse moralismo barato de dizer que eu tenho que aguentar as coisas. Aguentar é o caralho.

Eu tava fazendo um miojo quando minha mãe chegou e ficou me olhando quase um minuto, eu já tava puta porque não tinha conseguido o emprego no bar da Inferno’s e não deu pra fingir que aquilo não tava irritando:

- Que foi?

- Ah, Alice... Nem pra bar você funciona.

Eu não soube o que concluir primeiro. “Funciona”. Que porra é funcionar prá minha mãe? E outra... Quem deu o direito dela concluir alguma coisa de eu não passar nessa entrevista? Fiquei uns 10 segundos olhando a cara de asco que ela tava e o sangue foi subindo...

- Vai tomar no seu cu.

Eu saí da cozinha e só fui ouvindo os gritos dela abafados pelo choro entrando por debaixo da porta do meu quarto. Prá ser uma filha da puta eu funciono muito bem... Até pensei em dizer isso, mas o ódio era tanto que a garganta se fechou.

Sempre foi assim, sabe. Eu era uma aluna exemplar, por mais que seja difícil de acreditar, mas o que me fodeu foi a Rafaela. A Rafa não, né... A morte dela. Quando eu fiz doze anos ela morreu num acidente de carro voltando de São Paulo com a companhia de balé. Mas eu não posso reclamar da pressão que a perfeição da Rafaela fazia em mim, ela era uma menina bonita de 16 anos e se eu tivesse aquelas pernas que ela tinha, que eu não tive até hoje, também seria uma dessas meninas Britney Spears na fase virgem. O punk é que ela era minha irmã e eu não consegui suprir a falta que ela fez aos meus pais... Na verdade ela faz falta até hoje. Eu não dei esses orgulhos imbecis a eles e tenho certeza que ela poderia ter dado. Eu tranquei minha faculdade de jornalismo, não trouxe namorado em casa, já fui pega com tóxicos (pra ser menos trágica)... Seriam coisas transponíveis se a minha irmã estivesse aqui ainda. Mas ela não ta há 7 anos e eu não posso mais suportar viver nessa condição dupla de existência – sendo que não cumpro nem o papel da minha vida.

A Mariana é uma garota que eu conheci na época que eu tava viciada em Stooges, um ano depois que a Rafa se foi. O pai dela tinha uma banda cover dos caras e vivia me ensinando a tocar bateria. Quando eu ia à casa deles era tudo legal. Ela tinha uns 10 cachorros e todo mundo colava o que quisesse na parede... Fotos, pôsteres, recados, bulas de remédio, matérias de jornais, capas de disco... Tudo. Aconteceu que quando a Mari fez 15 anos os pais dela se separaram e o pai foi chamado pra produzir uma banda lá em Niterói e ela teria que se mudar de Londrina. Como a Mari gostava daqui e tinha vários amigos, ela ficou com a Solange, a mãe dela. A Solange era um demônio em forma de mulher. A menina virou uma otária igual aos outras garotas daqui. Nem saía mais comigo, não ia em casa ouvir música, eu não ia lá ver filme. A gente continuou amiga e tudo, mas os 2 anos anteriores foram muito melhores do que todo os outros até hoje em dia, que a gente tá com 19.

Bom, mas foi essa Mariana aí que quando me encontrou no mercado foi a primeira a saber que eu iria prá São Paulo. Ela me viu e deu um sorrisinho meio amarelo porque tava com o namorado em punho. Mas acho que ela pensou ser meio “de mau tom” não ir até lá cumprir os protocolos sociais.

- Oi, Alice! E aí, menina, como você tá?

- Ô, Mari. Eu tô bem e você?

- Ah, tô indo, né... Fiquei sabendo que você parou de fazer a faculdade, que foi?

- Eu cansei, meu... Tô indo pra São Paulo.

Acho que a filha da puta da Mariana tava muito 13 anos pra eu ter dito assim tão livre que ia me mudar. Sei que ela deu uma risada bem alta e quando viu que eu ainda tava séria emendou qualquer coisa pra cobrir a gafe.

- São Paulo, Alice? Vai fazer faculdade, arrumou trabalho?

Eu nem pensei em mentir, queria que se fodesse mesmo.

- Não. Na verdade eu to indo porque tô desempregada. Eu tentei pegar o bar da Inferno’s mas não deu, eles queriam alguém com experiência na noite. Eu cansei daqui, Mari.

- Mas São Paulo não é brincadeira, cara... Você deveria aguentar um pouco.

- E eu não sei, Mari? Não é questão de chamar atenção, é que eu realmente preciso sair daqui. Eu conheço os meus limites, meu.

- Entendo.

- Entende?

- Pelo menos sei como funciona... O Rogério, amigo do meu namorado, vai pra lá no domingo. Tá indo com uma graninha escassa também. A namorada engravidou quando ele tava fazendo intercâmbio nos Estados Unidos, chegou aqui ela tava morando com um cara há uns 3 meses. Foi foda, mas ele ta querendo se reconstruir lá...

- Porra, e eu achando que tava fodida...

- Você é rebelde, Alice! Parece que tem fogo no rabo.

- Eu sou sonhadora, Má. Sempre fui.

- Sei bem. Quer o telefone do Rogério? Talvez vocês até podem combinar de ir juntos e tal. Se quiser eu peço pro Tales agora mesmo...

- Pô, pode ser.

Aí ela pediu pro “bebezinho” arrumar o telefone desse cara pra mim. Ela me deu um abraço bem forte, pediu pra eu mandar e-mail caso precisasse de grana que ela daria um jeito e me deu umas referências em São Paulo de uns lugares onde os primos dela frequentam. Eu achei meio exagerado porque faziam uns 2 meses que ela não parava prá falar comigo. Acho que a noção de eu estar indo embora fez com que ela entendesse que eu já não pertencia mais a ela por completo e que isso não tinha volta.

Mas o que importa mesmo é que agora eu tô na rodoviária com um papel escrito “ROGÉRIO” na mão e 200 reais na carteira. Eu vou pra São Paulo.

5 comentários:

  1. Tu escreve bem, Lu. mas ah, você já sabe disso né e. Gostei :D SÉRIO.

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  2. VAI QUE É TUA ALICE

    foda.

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  3. Oie Lucianaaaaa!
    preciso conversar cm vc pq vou precisar de uma ajuda sua no meu TCC!!!

    me add no msn
    vitor_oshiro@hotmail.com

    Brigadão!!!!!!!!!!!!!!!
    bjus

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  4. ps - Eu sou o vitor do quarto ano matutino e editor do Conexão!!!!

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