30.10.10

A nossa vida não tem mais fim

"Eu vou terminar com ele" e falei isso com a veemência de quem sabe que está mentindo. Não ia.
E uso isso para assustar e não o consigo, acabo sentindo o medo que tentei desencadear. E sofro. Recuso o beijo na face que me doeu a noite toda. Terminar, falei em terminar sem ao menos pensar no peso disso. Agora quem poderia ser terminada era eu.
Quando a gente usa essas coisas pesadas pra criar impacto, a gente sempre se dá mal. Só a gente. Na verdade isso não era uma vontade muito menos uma proposta, era uma burrice mesmo. Eu não quero terminar nada do que está começado, muito pelo contrário. Essa chance é um fantasma que vez ou outra me aterroriza nas madrugadas.
A madrugada! Não foi fácil. Ecoou a noite toda alguma risada maléfica que queria dizer "agora aguenta". E o medo só crescendo "Você não brincou de falar em término? Agora aguenta!" E quase não aguentei, foram longas horas de sono intercortado, sono ruim, das piores safras.
Deu a manhã e a cabeça muito cansada de pânico dormiu. Dormiu pesada. O despertador me acordou e eu ainda não havia dormido o que queria. Tive de partir.
Aí começa a nova etapa do terror: as ligações. Liguei, sei lá, 15 vezes. Achei que era o fim mesmo e o remorso nos consome de forma assustadora. Dói o peito, a gente chora sozinho no ônibus, rói as unhas, reza baixinho "Senhor, não deixa que termine".
Consegui falar. Disse o que me entristecia, reconheci a grosseria, a intolerância, a infantilidade. Atentei a algumas coisas. Disse que amo, e como amo. Amo muito. E de tanto amar, como começaria o Chico, tenho medo dessa coisa de acabar. Arrepio só de pensar. Só que a raiva cega e a gente quer impor um medo, uma força, por meio de uma ameaça que vai fazer mal pra gente mesmo. É como ameaçar suicídio a quem te ama, sabe? Todo mundo vai sair perdendo.
Eu peço desculpas por ser criança e, agora, depois de pensar mais, por ter feito cena com isso. Apesar de ter sentido tanto medo de você aceitar aquilo que nem proposta foi, fico aliviada de você entender que eu só quis por à prova uma coisa que não deve ser colocada. Nunca. Nunca se vinda de você. Na hora em que disse "Por que, você quer?" me gelou até a alma e eu jamais tive tanta certeza do quanto não quero ver o fim, do quanto isso tudo me é vital.
Para mim e para Os Mutantes a NOSSA vida não tem mais fim. Individualmente não somos eternos, mas isso que nos une é para sempre.

Eu te amo, vida. Eu te canso de tanto dizer.

28.10.10

(Con)Sequência

Quando se digita no buscador do Google “Sequência”, ele te dá aproximadamente 3.870.000 resultados em 0,13 segundos. Os resultados são tantos assim, mas os significados não são muitos. O dicionário dá os conceitos de ação de seguir, continuação, seguimento. Aquilo que, de acordo com alguma lógica, sucede algo. E, voltando ao Google, podemos encontrar alguns exemplos. A sequência numérica, lógica, sequência de golpes, de passos de dança. Algumas áreas até se apropriaram do nome sequência para identificar algo, como o cinema, por exemplo, que assim denominou o conjunto de tomadas (takes).
Sequência também foi apropriado por esse Jornal para estampar nossas capas e identificar o conjunto de nossos trabalhos. Porque é o resultado final de tanto esforço ao longo de um ano e meio de produções para, finalmente, chegar a esse nível em que chegamos. O nome é Sequência porque, mais que a sucessão desses esforços, ele não finaliza um ciclo, pelo contrário, ele é o primeiro de muitos jornais impressos que esperamos produzir. Ele, mais que um nome, é um lema que a nossa equipe, apesar de dissonante de opiniões como todo grupo costuma ser, leva a sério. Estamos dando sequência a esse sonho, a esse projeto. A essa vontade imensa de sermos jornalistas.
Essa produção é a sequência de tudo o que fizemos até agora, é o nosso maior fruto feito de papel. E assim como na sequência de passos de dança, ensaiamos muito antes da apresentação final. Erramos, corrigimos, editamos. Aprendemos a ponderar vícios de linguagem, nos policiamos em linhas longas, crescemos períodos curtos demais. Criamos. Essa é a nossa sequência, o nosso Sequência. A informação que não para, a curiosidade que nunca cessa, o crescimento que é (con)sequência de muito trabalho.

27.10.10

Um olhar no lotação

Atenção! Antes de começar a ler, saiba: mesmo que pareça, esse texto não fala sobre você.

Tenho uma amiga que tem dentre os passatempos prediletos escutar conversa de ônibus. Certa vez resolvi experimentar e me sentei no banco próximo à porta num lotação repleta de estudantes de uma conhecida universidade. Você, leitor, deve conhecer. Um rapaz e uma moça conversavam sobre modelos de tênis, não me chamou atenção. Dois meninos, aparentemente nada estudiosos, falavam sobre como era difícil assistir aula de um professor com nome de marca de perfume. Uma moça roia as unhas enquanto a outra engatava um conto maçante sobre sua trajetória ao longo dos regimes emagrecedores. Essas coisas.
No meio dessas vozes todas, gostei de uma suave, quase fina, de uma mocinha de cabelos ondulados escorada na porta do ônibus. Ela tinha a pele bonita, mas visivelmente cansada do longo dia de trabalho e, além de uma pasta cheia de Xerox, ela trazia consigo uma enorme bolsa que, segundo ela, “estava um chumbo” de tão pesada. A menina falava com dois rapazes, certamente do mesmo curso que ela faz, sobre como é difícil conciliar trabalho com faculdade. Ela era pequenina e frágil, mas sua rotina era de gente grande. Pelo que consegui ouvir, ela levantava às seis da manhã, pegava condução para estar às oito horas no trabalho. Ela trabalhava numa loja de roupas e não passava sequer um dia sem tomar xingo do patrão. O expediente fechava às dezoito e ela negociou para sair uns minutinhos mais cedo e conseguir pegar ônibus a tempo de chegar no restaurante universitário antes de começar a aula. Ainda tinha que ir para casa e fazer os trabalhos que a faculdade carinhosamente presenteia. Acredite, a leitura desse período é muito menos cansativa que a rotina da moça.
Ela não era empolgada, nem parecia estar feliz por ter acabado um dia de trabalho e, finalmente, estar indo para a faculdade. Ela estava “de saco cheio disso tudo”, como falou com os olhos mais molhados que o convencional. Ela estava cansada, em pé no ônibus, com bolsa de chumbo, pasta na mão, bracinho enroscado na porta e um olhar no fundo de quem pede silenciosamente gritando por paz, por calmaria. Os amigos dela ficaram quietos olhando ela contar sobre como não havia atingido nota em determinada matéria. Penalizados, eles também viviam rotinas estafantes – ou só quiseram ser compassivos.
Eu sei que nunca mais vi exatamente essa menina, mas vi diversos olhares dela por aí. Encontrei-os no olhar da minha amiga que incentivou esse hobby, no do namorado, no cobrador do ônibus. No espelho. Todo mundo pedindo ajuda, pedindo clemência. Querendo um tempo para descansar, repousar. Deixar de fazer essas coisas todas que fazemos todos os dias sem vontade alguma, ter tempo novamente. Esse olhar tão triste, tão enfastiado, é o olhar que estampa a cara de muita gente que anda pelos coletivos, pelos terminais, hospitais e corredores da universidade. É o olhar da mocinha da voz doce, o olhar daqueles que não têm tempo e que estão sentindo seus corações virarem chumbo, tal qual é o peso de seus fardos. É o olhar de quem quer sair por aí gritando feito louco por um minuto de paz, mas está ocupado demais digitando um artigo para faculdade. É o olhar da gente para a nossa vida.


Luciana de Castro

A última

Hoje eu vou falar de verdade, vou falar de forma organizada. Hoje eu vou comunicar a minha decisão: acabou.
Somos pessoas tão estranhas, e talvez você seja tão mais que eu, que estou dando término em nossa amizade. Eu nunca havia tomado uma atitude dessas.
Ontem foi a nossa última conversa e confesso que dizer "nossa" me soa estranho hoje em dia. Eu não gosto mais de você devido a todo esforço que você teve para me fazer chegar a essa, antes dolorosa, conclusão.
E eu nem te listo os motivos pois você já os sabe. Sua personalidade mutante, o seu pouco caso com o que eu sinto (e senti), o seu egoísmo e prepotência espantosos. Você fala como se tivesse salvado a minha vida quando entrei na faculdade. Saiba de algo: você não o fez. Nunca bateu no peito pra dizer pra todo mundo que eu era a tua amiga, pra me defender de toda palavra ofensiva que saiu da boca de muita gente contra mim (e minha amiga). Pelo contrário, riu de mim. E eu tentei por muitos meses não crer nisso, hoje a situação fica insustentável.
Não dá para empurrar esse vestígio de "amizade" com alguém que não cumpre promessas, palavra e que acredita ser o salvador da minha vida - sendo repetitiva.
Outra coisa, você brada que estava do meu lado em horas que eu muito precisei. O que fez foi ouvir dos meus dramas, só isso. Reconheço que não é tarefa fácil, mas fiz por merecer. Ouvi de tanta gente que você não era merecedor de todo sentimento que eu te doava e, sem pensar, repelia essas pessoas. Defendia sem ao menos tirar satisfação contigo, elogiava. Hoje não tenho mais saco pra isso.
A minha vinda pra cá talvez tenha sido um pouco por sua causa, mais pela amiga que citei acima. Hoje em dia não faz o menor sentido. Eu não quero estar perto de você e não sou a única a pensar assim, você pode perceber. Se você tentou me comprar ou não, vamos esquecer. É um duelo desgastante e esse é meu último recado, minhas últimas palavras.
Eu te desejo sorte na vida, agradeço pelos momentos bons em que você esteve ao meu lado e lamento por todas as vezes em que você me fez mal pensando só em você e no seu ego inflado.
Quando você não quer me magoar, sempre diz que tem muitos amigos. Espero mesmo que os tenha. Eu lamento também, porque ainda acredito em algumas coisas que você diz, por não poder estar por perto nessa hora que você diz estar sendo difícil. Lamento profundamente. Mas nós não podemos mais ser amigos, você procurou isso.
Aquela hora eu levantei e passamos a ser conhecidos. Última vez em que eu chorei.
Espero que você não fique por aí falando sobre mim. Se bem que tanto faz... Eu tenho gente ao meu lado.
Novamente: boa sorte. Você ainda deve ser um cara legal, mas não pra mim. Eu não sou legal.

ps: se você comentar, apagarei. Não me mande mensagens offline.

26.10.10

Minimalismo

Eu, você, cerveja, uma toalha, grama, árvore, roupa xadrez, um rádio. Longe.

20.10.10

Sonhei que morria

Sonhei que morria, me jogava de um prédio e me arrependia no meio. Esqueci o que aconteceu depois disso, mas eu tava na mesa do Valentino tomando cerveja com dois amigos. De repente eu chorava, chorava muito - e eu já protagonizei essa cena duas vezes - e falava umas coisas sobre trabalhofaculdadeamor. Aí, num flash, prendi meu dedo na porta giratória e doeu feito um diabo. De repente o Danylo me abraça, me beija as lágrimas e a gente tá aqui em casa, olhando a rua pela janela do meu quarto. A rua que eu moro em Apucarana - quase igual.
Acordo sem saber o porquê disso tudo e o coração disparado. Ah, e com o dedo indicador latejando. Lateja até agora.

12.10.10

Eu não sei o que é paz

Desde criancinha eu tenho passado por todos os sentimentos que um ser humano normal passa ao longo de sua vida.
Algumas pessoas, e foram bastantes, me disseram desde então que eu tenho uma certa disposição a "sentir mais" todas as coisas. Como se eu me importasse mais com os sentimentos, como se eu desse superlativo a todas as emoções. E eu faço isso.
O que eu noto por mim mesma é que desde essa época aí eu não passei, nenhum segundo sequer, pela paz. Eu já amei, e amo. Já odiei, e odeio. Já senti medo, e estou agora. Já senti repulsa, inveja, orgulho, carinho, decepção. Tudo. Mas eu não sei o que é paz, não faço nem ideia.
Na verdade eu nem sei se paz é um estado emocional, talvez nem seja mesmo. Mas eu nunca vislumbrei essa coisa, que quer que ela seja.
Nesse momento eu tenho um namorado que amo e me ama. Tenho pais zelosos e extremamente amáveis. Amigos que eu daria a vida por eles. Uma casa bem cuidada, roupas novas, estômago cheio, corpo são. Meus problemas afetivos estão sanados. Estou com um pouco de saudade dos meus pais, da irmã que é linda e sincera.
Mas a cabeça não vai nada bem como sempre. Dessa vez o problema é o trabalho e o desenrolar dos fatos decorrentes dele. Dessa vez a bomba é outra e eu vejo ela acesa em meu colo. Só eu vejo. E perco o sono, a vontade de fazer as coisas, o brilho, o ânimo. Mora em mim um grande medo, um pânico. Um horror. E uma vontade de abrir uma saída com os próprios punhos.
Converso, peço ajuda. Tenho meus guerreiros ao meu lado, mas não tenho sanidade. Eu não sei o que é paz, eu nunca soube. A minha cabeça é um purgatório, sempre há um problema que ela mesmo cria e me consome, me queima tudo por dentro. O que me resta. O problema é comigo e com essa loucura que nasceu dentro de mim. Por culpa dela, e de mim, eu não sei o que é paz.
O que faço eu da vida então?

10.10.10

Alice

Aqui quem escreve é Alice. A mesma que apareceu ontem à noite no sonho das aranhas e dos paraplégicos.
Onde as aranhas comiam cabeças, devoravam. Eu sou o medo que você sentiu.
Eu sou a paranoia que você teve ao se deitar, pensando na morte daquele que mais ama. Eu sou seu choro agonizante.
Eu sou a sua inaptidão em explicar as coisas, eu sou o aperto no peito, eu sou a tristeza que sempre morou em você.
Eu sou a cadeia, a jaula, o perigo. Eu sou a dor e as atitudes erradas. Eu sou a dor nas costas que te cresce a cada segundo.
Eu sou o demônio que você vê ao fechar os olhos, eu sou os olhos estalados que você está agora. Eu sou o cheiro de enxofre que invade o teu quarto.
Eu sou o temor da morte que te assombra desde criança.
Eu sou o inferno que te espera depois dessa vida. Eu sou a morte com sua foice na mão. Eu sou seus olhos querendo se fechar para você ver o medo.
Eu sou sua pele esfolada, ardendo. Sou sua vergonha. Eu sou todo o mal que mora em você, sou todo o nojo.
Sou sua vontade de morrer, seu reumatismo, seu orgulho. Sou suas dores.
Eu sou esse pensamento funesto que está agora, esse plano falho de pular pela janela.
Eu sou essa razão que você nunca vai encontrar.
Eu sou você, só que eu me chamo Alice. Eu sou Alice.