28.9.09

49 cm 2,150 kg

Era um acúmulo de peles e tinha um gosto roxo, meio carbônico. Sentiu-se nadando num caldo grosso, cheio de micro-sujeiras, um pavor. Pensou: "Vou puxar essa corda e vai fazer feito descarga: tudo pro lixo." Errou. Sentiu-se apertado, meio amacetado. Não doeu mas irritou, de raiva deu um pontapé bem forte naquele canto que mais parecia sacolinha plástica e fechou os olhos pra dormir o sono.
Quando acordou ouviu uns barulhos meio estranhos, não sabia que horas eram. Deu a mínima e continuou a luta pra tentar limpar aquele lugar... Até queria ir embora, mas era tão aconchegante. "A praia deve ser assim", pensava. Foi quando achou espécie de um nó, um emaranhado de pequenos dedinhos feitos de uma borracha fina ou algo do tipo. Pressionou. Deu em nada. Horas depois sentiu uma pressão vasculhando seu corpo, parecia fixar ao peito. Coisa estranha.
Dormiu mais alguns sonos até chegar ao limite de sua paciência. O calor o irritava, o gosto marrento era insuportável e aquele cheiro de açougue era muito para as narinas. Resolveu usar uma técnica diferente: debater-se. Começou a se virar, a pressionar a bolsa em que estava preso, dava socos, chutes, arriscava mordidas.
Começou a surgir uma luz por baixo, e essa luz aumentava. O líquido cheio de sujeirinha vazava e seu bexiga-morada estava ficando murcha: "É agora que eu fujo!" Torcendo o pescoço sentiu uma dor tremenda para passar o corpinho naquele lugar estreito e rígido. Sentiu algo o ajudando a sair, doía um pouco, os braços estavam muito apertados e uma sensação horrível o dominava. A luz branca tomou conta de si e os olhos não conseguiam se abrir. Que dor era aquela? A pele latejava, os músculos tremiam e a garganta inundava-se num grito seco.
Tentou se lembrar de onde havia saído. Esqueceu. Cheirou ao redor e sentiu uma estranheza nos pulmões, o ar quis voltar pela boca. Foi quando pensou: "Quem sou eu?" E de resposta teve o eco de uma não-resposta. Tentou falar, não conseguiu. Tentou se recordar porque queria falar, esqueceu. Parecia ser aquele o fim de tudo. Engoliu o ar doído, forçou o peito e num desabafo estridente: chorou. Aí as palavras ao redor foram perdendo sentido, os olhos abrindo um pouco mais, o frio se controlando e a fome surgindo voraz.
- Nasceu, é menino!

22.9.09

Deixa eu te dizer?

Chove lá fora.
Dor de cabeça aqui dentro.
Cheguei numa vontade assustadora de te contar de tudo, de te pedir um momento para poder contar o que se passa e o que se passou no meu coração ao longo desses 3 meses.
Eu fiquei bem na dúvida se te relataria esses fatos incoerentes e confusos, se omitira outros, ou se apenas te pediria ajuda para me fazer entender melhor o que está ocorrendo. O que ocorreu. O que está para ocorrer.
Acho estranha toda essa movimentação, esses sentimentos conflitantes. Às vezes te juro que até acredito ser nada, coisa boba de um alguém tolo. Mas não pode ser.
Você, se me conhecesse a mais tempo, entenderia que não sou assim. Para eu acordar no meio da noite com um nome em questão na cabeça, algo de diferente está para acontecer. Não que eu te compare a outros acontecimentos de minha vida. Jamais. Só acho tão diferente que não posso mais suportar.
Noutra postagem desse blog, num momento péssimo de minha vida, disse sobre passar do céu ao inferno. Você não deve ter lido. Foi pesado.
Enfim, senti o céu de novo, talvez mais forte e doce do que da primeira vez. Eu dancei You Only Live Once em frente ao espelho, eu cancelei com amigos, eu mudei ideias, eu confessei segredos. Lembrar disso e de tantas mais palavras hoje, fazem-me entrar numa nostalgia que, de tão recente, deixa-me louca. Louca. Como faz para tudo ser tão fugaz assim? Quando é que perdi o controle disso tudo? Sinto lhe dizer, mas parece caso pensado. Parece que foi assim: "essa pessoa merece mudar de foco". É, mudei o foco. Mas a dor mudou também. Não é lá a dor do errante, como disse outrora. É a dor do desconhecido, do desconhecimento. Eu já não sei mais o que sinto, eu não sei olhar nos olhos quem me vê de fora e afirmar com certeza o que se passa.
Eu sei que ao seu lado - e leia aqui "lado" no sentido mais superficial da palavra - eu me sinto invencível de novo, como se fosses um velho amigo. Entende? Sinto que sua presença é fundamental e rara. Isso é minha nova dor. É um achamento perdido, uma coisa impressionante.
Eu sei também que você tem medo de saber essas coisas, e sei que hora ou outra vai acabar lendo esse texto e sabendo que é pra você. Você sempre sabe, não é? Sempre sabe o que eu penso, sempre entende o que meus olhos dizem. Eu sou clara em minha omissão. Culpa sua. Não pedi vez alguma que chegasse com esse seu jeito diferente de caminhar e com essas palavras que se juntam feito poesia em frente aos meus olhos. Não pedi. Pedi?
Mas eu vim com a garganta cheia de frases bonitas, de explicações e teorias sobre mim mesma. Eu queria te pedir para não ter medo de mim, medo do que vai acontecer comigo, medo do que eu quero. Eu ia pedir também para você não deixar de querer saber de mim, do que eu penso.
Você foi embora de novo. Talvez seja isso que esteja acontecendo... Você já conhece tudo de mim, a necessidade de me ter por perto já passou. Mas eu sinto falta... Talvez porque não sei quem és. Só metade. Alguém fascinante versus alguém sem explicações. Estranho mesmo, né?
Parou de chover lá fora.
Sinto falta de um passado ainda tão recente.
Vamos tomar um chá qualquer dia desses para eu te contar tudo o que se passa?
Mas se não quiser, entendo. Só quero que saibas que esse seu medo é puro equívoco.
Só isso.
Até mais.

20.9.09

Prenda-me se for capaz

Eu quero ficar presa mas não consigo.
Quanto mais tento conhecer as pessoas, mas me distancio da verdade, da convivência. Essa história de descobrir o outro não dá certo para mim, tentar entender alguém é um erro, um puta erro.
Eu tenho uma sensação muito ruim, e nem é porque é entardecer de domingo, de que eu não sou fixa em ninguém, sabe? Eu me sinto solta, vagando. Não que seja necessário a mão de alguém para que você não flutue, mas é bem mais fácil quando você encontra pés cansados querendo descansar ao lado dos seus.
Esse ano tem sido estranho. Sei que digo isso todo ano, mas esse ano realmente tem sido estranho. Eu acho desnecessário mencionar toda a merda que vi/fiz/presenciei/provoquei, seria doloroso demais relembrar tudo isso - sejam fatos bons ou ruins. Mas às vezes, quando você menos espera, chega uma pontadinha desse passado ainda quente na minha mente e OPA! confusão. Isso tem me feito mal... Viver dessa ficção meio errada, dessa realidade surreal. Será que só eu percebo o quanto tudo está incompleto? Cadê o amor, gente? Difícil. Quero amar de novo, quero me sentir invencível só mais uma vez. Quero além do prazer.
Eu quero ser presa mas não consigo.

19.9.09

Quaresmeiras

Escrevi um grande texto sobre "É amor quando não te amam?", mas achei tão fútil que resolvi apagá-lo. Poderia desfazer, mas prefiro fingir que ficou somente na minha cabeça, fruto desses pensamentos que a gente tem antes de dormir.

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Dia desses, meu professor comentou sobre as árvores Quaresmeiras - algo assim. Disse que elas dão as mais belas flores quando estão se preparando para morrer. A intenção é polinizar o ambiente ao máximo para que a morte delas não seja em vão. Fiquei com isso no fundinho das sinapses.
Hoje quando acordei senti aquela felicidade púrpura, pura e genuína, que chegou a me fazer dar um sorriso de orelha à orelha sem motivo algum aparente. Foi aí que a memória aleatória foi ativada.
Até o momento que vos escrevo, um milhão de pensamentos pretos, laranjas e branco com bolinhas vermelhas me invadiram fazendo mudar a nuance de toda essa felicidade. Dentre essas cores: a nostalgia. A nostalgia é o sentimento mais pesado que existe em minha humilde opinião. Traz tristeza, felicidade, saudade e dor, tudo junto, como uma granada de mão. Nessa explosão toda fui pensando em como estou só e naquele blablablá todo de como nunca me sinto completa. Talvez esse drama de não se sentir fixo em lugar algum seja coisa de todo mundo... Mas gera certo pânico em mim.
Aí que as quaresmeiras entram. Felicidade forte e avassaladora para anunciar que o único motivo de estar assim é a morte - entendamos a morte aqui como deixar de ser eu mesma. Mas tal fato não me surpreende em parecer uma Quaresmeira. O que me preocupa quanto a essa semelhança é uma questão de cunho reprodutivo e filosófico: o que eu tenho feito para polinizar meu ambiente?

15.9.09

O Pai


Um dia Alice acordou com uma pinta acima do umbigo e foi perguntar para o pai o que era:
- Pai, que coisa é essa aqui?
- Vou saber?
- Deveria saber!
- E por que?
- Porque pai sabe tudo!
Aí o pai de Alice a lembrava desse diálogo constantemente. Foi numa tarde de maio que ele chegou arfante na casa da filha, havia acabado de sair do repouso e ainda estava meio fraco.
- Filha, como explica o amor que tenho por você?
Assustada, encheu os olhos de lágrimas quentes e disse:
- O senhor não sabe, pai?
- Eu deveria saber, não é?
- Pai sabe tudo...
- Sabe não.
- Mas ensina.

11.9.09

Ontem fui me deitar - não sei ao certo se foi ontem, costumo errar nesses conceitos - e já era dia. Havia passado das 7 da manhã. Gosto daquele cheiro azulado que a entrada do dia tem.
Fiquei me lembrando de quando eu acordava cedo pra ir à escola. Maldizia milhões de vezes as aulas que teria, tomava um banho pra acordar os neurônios, bebia 5 litros de café e ia muda até a escola.
A umidade do ar da manhã apucaranense sempre me fez bem. Acho que as ideias, concepções e poesias mais brilhantes que escrevi, foram absorvendo esse ar puro e geladinho.
Notei que esse ano acordei raras vezes pela manhã. Hoje, nesse dia aí que abri a janela, acordei às duas da tarde. Não tinha ninguém em casa.
Lembro que tenho amigos, família, ídolos, colegas, conhecidos, amores e objetos de estimação. Lembro que se eu morrer, algumas pessoas irão chorar e vestir preto para protestar a minha ida adiantada. Meu pai chega, Natália me liga, a Claro me manda mensagem, ligo pra Vanessa. Há sinais de vida, há pessoas me cercando. Mas eu estou só.
Eu já não inspiro mais a brisa da manhã depressiva de ir pra escola, não gosto mais de pão de queijo, não tomo leite e nem como feijão, durmo de dia e acordo de tarde, vivo à noite, converso com as mãos, abraço gente nova, canto sem embromar, choro sozinha, recito poesias vendo TV e rezo para sairem de casa e eu poder dormir em paz ainda mais.
Eu não sinto tão forte o gosto da pimenta, eu vivo à base de cafeína, faço xixi uma vez por dia e não sinto a pele macia das pessoas que mais amo. Eu sequer brigo com alguém que tenha algo real a me dizer.
É complicado entender, é complicado mudar. Eu até chego a gostar de ter essa vida meio desregrada, gosto de não ter compromisso. Mas tem ficado cada dia mais letal ver a vida passar e não ter o que fazer, não ter porquê fazer.
Talvez nem seja assim tão necessário alguma mudança, talvez seja claro o que está acontecendo.

Sonho.
Estou deitada num banco preto, todos que amo lá fora, comendo o churrasco. Estou de toalha, não consigo me mover. Alguém está nu ao lado, numa cela preta, tomando banho. Não consigo conversar, mas faço gestos. Eu vejo um rosto, sinto medo.

Estou só.

9.9.09

Mocinha Curitibana

Luciana de Castro

A mocinha, com as bochechas forradas de espinhas, desce no ponto de ônibus já derrubando a alcinha da blusa, meio reclinada.
- Já tá aqui, paizinho?
De terno branco ele surge meio excitado pelo perigo e os tornozelinhos dela.
- Nessa idade, pombinha. Nessa idade!
A tipa reclina e mostra a perninha embalada pela meia-calça branca.
- Tem ninguém aqui, paizinho.
Escuro realmente estava, mas sempre havia um sapo coaxador a bendizer a sobriedade na entrada da madrugada. O santo praguejava de ódio ao medo que tinha de ser pego com a saia violeta entre os dedos.
- Tão violeta essa. Parece até amora fresca, menina! Assim você exagera.
Foi quando viu monte mais formoso subindo a colina, emocionou-se. Ao pegar pelos peitinhos tão pequenos quanto duas rosas em botão, partiu a carne ao meio e sujou os dentinhos da frente.
- Tão docinha, pombinha. Ai, assim não me aguento!
Ela chutava os sapatinhos surrados pro lado e bebia do maldito sem que ele pedisse. Devia ser sede ou algo assim, menina mais aprendida nunca se vira, rápida e inteligente, os olhinhos pretos cheios de lágrimas felizes.
- Ai, paizinho! Nessa idade que tenho!



dedicado ao Ilmo. Sr. Dalton Trevisan.

5.9.09

Consolo na Praia



Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida ainda não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?


A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.


Carlos Drummond de Andrade

3.9.09

Constatação

Quer saber algo engraçado?
Te esquecer não foi difícil. É, usei o passado. Não foi. Sim, já esqueci.
Temos aqui um intervalo de 2 meses entre a glória e o inferno, mas posso dizer que já estou vivendo em paz sem você.
E quer saber algo sincero?
Acho que nunca tinha tentado te esquecer de verdade, de todo o meu coração. Não é tão triste quando eu quis acreditar que fosse, é deveras doloroso, mas gera até uma brincadeira com seu próprio coração. Sabe aquelas palavras que você disse há um tempão pra mim? Eu finjo que elas não fazem sentido. As músicas que me lembravam você eu já não ouço mais. Quando estou perto de você, finjo que seu cheiro é igual ao de todos e que te ver falando é algo que não me fascina.
Passo as tardes sem lembrar que você existe mas, se lembro, penso que você é só um amigo de pré-adolescência.
E, acredite, esse jogo tem sido delicioso. Começo a me desesperar como fiz num passado próximo e me policio, paro, respiro. Em poucos segundos volto a te achar um amigo querido e nada mais.
E, quer ouvir a última? Agora paro e penso como pude chorar tanto, ir pra psicólogo e viver em função de ti... Já me parece engraçado, acredita?
Vai ser muito bom pra você e melhor ainda pra mim.

Até porque... Você tem as unhas iguais às de todo mundo... Não dá.