6.1.11

Epitáfio I

Eu te imagino morrendo aos 25 anos. Achou que podia sacolejar esse dedinho petulante na cara de qualquer um. Não podia. Balançou e derramou meio litro de vinho na camisa. A mão imensa te acertou a face brutalmente, caiu no chão e chorou. Saiu correndo e ele ficou parado, gritou uma dúzia de palavrões e pediu a saideira. Você morava longe, esse foi o descuido. Foi caminhando apressadamente e olhando para trás vez em quando: imbecil, nojento, covarde. Praguejava como lhe é de costume. Mas não era um dia como todos os outros em que você achou que podia sair por aí cuspindo essa saliva fétida nas narinas das pessoas. Ele te encontrou chorando num ponto de ônibus, a meia-fina rasgada no joelho sangrento. Encostou o carro. Você, ingênua e prepotente como sempre fora, já foi emendando: não vou te perdoar. Ele te olhou dentro dos olhos e sem mirar disparou 3 balas. Pá, pá. Pá. Essa última no meio do peito, furando o broche da sua blusa. Você não teve tempo de raciocinar - o que foi bom, você nunca dominou essa arte.
Um pedreiro a encontrou na manhã daquele dia fedendo a carniça. Formigas te atacavam e um besouro beliscava a tua boca cheia de carnes. Sua família vestiu o luto e os tantos que tentaram ser seus amigos foram dar o último adeus. Você repousava imperativa no caixão, esse rosto sisudo, a cabeça enfaixada. Apareceram 4 ou 5 homens, um com câncer e outro não tem certeza se te conhecia. Duas mulheres passaram por lá, juro ter visto uma lágrima lá pelas 4 da madrugada. Coroa de flores não te mandaram. Caro demais.
No seu enterro 12 pessoas contadas nos dedos das mãos e mais duas narinas. Uma cruz azul espetada no topo, o nome escrito errado. Sua mãe colocou uma florzinha enterrada de mau jeito na terra cru de sua tumba. Era amarela como a sua vida foi. Mais tarde uma mulher trajando branco passou por lá, sussurrou umas palavras e num gesto pensado sambou em cima do seu jazigo. Amassou a flor e levou a cruz consigo. "Ninguém vai notar", pensou em voz alta.
Depois desse dia jamais ouviu-se falar de você novamente.

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