7.11.09

Enquanto todos vão para a Metamorfose

Eu fico aqui em casa tomando uma puta xícara de café que só a Dona Vera faz. Ouço daqui minha mãe e meu pai comentarem basbaques sobre a tetraplegia da Luciana da novela - logo meu nome! - e o barulhinho da louça lavada sendo colocada sobre o mármore da pia.
Daqui a pouco namoro a minha nova bolsa - bem bonita, do Andy Warhol - e fico ansiosa pensando no que a Elaine vai achar da camiseta do Franz que eu escolhi pra ela.
Enquanto todos vão para a Metamorfose, eu fico pensando na Metamorfose do Kafka. Talvez seja o livro que marcou o meu ano. Não porque eu só fui ler em janeiro - desculpem-me, sou noob - mas por causa da história mesmo. Eu gosto muito da expressividade do Kafka, todo mundo gosta, mas minha parte preferida, uma das, é logo do começo:

Gregor desviou então a vista para a janela e deu com o céu nublado - ouviam-se os pingos de chuva a baterem na calha da janela e isso o fez sentir-se bastante melancólico. Não seria melhor dormir um pouco e esquecer todo este delírio? - cogitou. Mas era impossível, estava habituado a dormir para o lado direito e, na presente situação, não podia virar-se. Por mais que se esforçasse por inclinar o corpo para a direita, tornava sempre a rebolar, ficando de costas. Tentou, pelo menos, cem vezes, fechando os olhos, para evitar ver as pernas a debaterem-se, e só desistiu quando começou a sentir no flanco uma ligeira dor entorpecida que nunca antes experimentara.

Eu acho que eu tenho muito de Gregor Samsa, sabe. Mas não tô assim tão a fim de explicar. Só acho que Franz Kafka e eu poderíamos ter nos conhecido, sei lá.
Só sei que enquanto todos vão para a Metamorfose, eu fico contando insetos na parede, planejando ir dormir um pouco mais cedo e combinando vestidos com meia-finas dentro do vestiário que fica na minha cabeça.
Enquanto todos vão para a metamorfose eu fico aonde eu mais gosto de estar: dentro de mim, seja lá se sou barata ou gente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário