16.3.10

Eu e as coisas

Parece que nunca vai ser do jeito que eu pensei. Nem só por mim, pelas coisas. Pelas tardes que eu vou ter de perder para poder talvez não ter as noites. Pela música que lembra a vontade e não corresponde à lembranças reais. Pelos livros que eu não deixarei de ler e o mistério que não mais tentarão desvendar em mim. Por já ter visto tudo das pessoas e descoberto que isso é nada.
Porque tudo que sou é sonho e esse sonho é maior que a minha vida. Eu sou grande demais para o mundo e o mundo não me pertence. Nem um pedacinho sequer. Tudo que sou é a vontade de ter sido outra coisa, tudo que quis ser era simples mas o simples não pode ser arquitetado. É simples. As amizades, o amor, os livros e o cheiro das tardes, tudo saiu diferente. Não reclamo porque as coisas saíram diferentes do planejado. Reclamo que tudo continua do jeito que era. Os mesmos sonhos e a mesma vontade de ser simples. A culpa é de mim e das coisas.
Da minha cara que amarra, da sorte que não sorri, das doenças, dos medos e do cérebro confuso. De tudo. Do Deus. Eu não queria que tudo começasse a dar certo de repente, sinto que não conseguiria viver sabendo que mais de um ano foi perdido. Eu queria voltar naquela mesma folha de caderno, erguer e cabeça e fazer tudo de novo. Eu queria ter um segredo de novo, queria ter a bondade que um dia tive e uma doçura que todo mundo um dia perde. Só mais uma chance de mostrar os motivos de eu estar aqui e tudo que eu sou capaz. Eu preciso apagar esse castelo de podridão que eu construí em meu lugar. Preciso quebrar esse muro de concreto que me cerca e explicar pra todo mundo que eu sou uma boa pessoa. Eu sou uma boa pessoa. Eu tenho de me reencontrar, de voltar a ser criança e me renovar. Renascer. Eu preciso regressar no tempo, de verdade, mais que qualquer outra pessoa nesse mundo inteiro. Por mim e pelas coisas. Só que isso é impossível.
Que faço eu da minha vida agora?

12.3.10

Carta de Isaías José Paulo aos queridos amigos

Ando meio descontente com a vida. Não que eu tenha do que reclamar, sinto confessar que não tenho. O que acontece é que desenvolvi o infeliz hábito de me considerar sempre em posse da razão. E nesse exercício de me conceder sempre a voz, acabei ficando trancado num quarto escuro com a companhia do eco de minhas palavras. Para quem pratica o esporte da comunhão de ideias, deixo-lhes o meu parecer de ser o inverso: a reverberação de si mesmo dói e flagela, e por esses mesmos motivos nos isola. Considero-me, amigos, no ostracismo de mim mesmo, prisioneiro do meu egoísmo e orgulho, soterrado na imundície de minha ignorância. Apodrecendo. Por mais que soe triste, não é. Não digo que não seja triste. Apenas não é. Ser assim é não ser, é deixar de existir.
Tenho me cansado dessa vida, como logo introduzi. Cansado das conclusões que de mim tiram, dos estigmas que nasceram em minhas mãos e pés, cansado de mim, do que me fiz ser. Adianto, porém, meus caros, que sairei dessa. Senti novamente a vontade de ser alguém, os alguéns que eu costumava ser. A primeira medida que tomei foi abrir o sorriso e mostrar todos os dentes que a genética me deu. A próxima atitude será desobstruir os ouvidos. Farei isso ainda hoje, antes de recostar minha cabeça sobre o travesseiro.

Meu nome é Isaías José Paulo, mas eu poderia ser qualquer outra pessoa.

8.3.10

Para o menino astronauta

Para o menino astronauta com uma estrela na mão
Com os pés molhados de mar sobre a seda do colchão
Da janela de casa observa a Lua vindo em direção
Admira o meteoro em rota de colisão

Brinca de pique-esconde na varanda de um planeta
Rabisca palavras na cauda de um cometa
Do menino que é a astronauta, o foguete feito à caneta
Seu universo inteiro de dentro de uma gaveta

Para o menino astronauta com uma luz no olhar
A cama é posta para quando voltar
Aeronave que decola do canteiro do pomar
O garoto que chuta a bola não tem tempo de chorar

Para o menino astronauta é desenhado o meu carinho
Para o menino sonhador, para o menino astronauta sempre sozinho.

3.3.10

Eu fui embora

Eu fui embora. Esse blog estava inutilizado há algumas boas semanas, mas eu senti que precisava dele de novo, não sei se é um recomeço.
Eu fui embora. Eu bati o pé no chão, juntei o pouco que tinha em sacolas e caixotes e levei para aquele lugar que julgo ser o meu futuro. Não sei. Como é que posso saber do meu futuro?
Nos primeiros dias senti saudades, chorei ao ir dormir. Pensei na mãe ao se ver confusa por tantos anos brigando pelos mesmos motivos banais, a irmã sem ter com quem dividir as ansiedades e opiniões fúteis sobre a vida e o pai chorando as saudades do bebê mais novo que deveria ter vindo homem. E chorei novamente, como a recém-nascida que fui outrora. Chorei comprimindo os pulmões e extraindo a última gota d'água que meus olhos conseguiram produzir. Rangi os dentes e pedi para qualquer boa força tirar a tristeza que repousava sobre os meus ombros.
A dor foi passando e um dia acordei feliz. Senti que era ali o meu lugar, fui criando raízes. A cabeça sempre pensando no tranco que preciso, na lotação que passará. E o coração apertado, os amigos ainda tão longe.
Lembro dos motivos que me fizeram ir embora e não sei se são tão pesados assim, se é que têm peso. A minha vontade é sempre gritar o amor que tenho pelas pessoas, é fazer ouvir tudo aquilo de bonito que sinto. É sempre esse o meu desejo. Mas viver não é fácil, a mãe tinha avisado há tempo. Esqueci-me, acho.
E é quando você pensa que está com o chão voltando ao controle das pontas táteis de seus dedos, que ele viaja bruscamente pro centro da Terra. Desabei. As lágrimas que chorei, muitas delas, parecem ainda úmidas no meu colo, o coração inchado e a garganta num nó que não somente dói como também retém a dor. Toda palavra que confiei à sorte que a mim sorriu, volta contra o meu rosto com frescor de cusparada, humilhante, gelada. Eu amei de novo sem precisar amar, eu joguei pro alto tudo que tinha e não vi onde caiu. Eu me meti em mais um erro e não sei como desfazê-lo.
Para mim tudo é complexo e o que eu mais queria era conseguir imaginar como as pessoas são se elas não forem eu. Compreende? Como é que as pessoas podem não se entregar, como conseguem não chorar a dor de um amor errado, como é que tiram o valor do "se importar"? Eu não sei. Só sei que me encontro completamente perdida nas ideias, nos sentimentos e no choro doído daquele que se sente enganado, ferido e, principalmente, impotente. Sinto-me incapaz de ajudar qualquer pessoa que seja, o que é mais doloroso quando se tem a completa noção de que ajudar, nesse caso, é fazer tão pouco, é talvez deixar de fazer, para que tudo volte ao normal, ou pelo menos a uma normalidade inventada.
Eu queria ter mais um ombro pra chorar aqui, mais um ouvido pra pedir conselho, mais alguém para partilhar dessa angústia de estar vivo. Queria poder sanar a dor de quem não merece tê-la, queria mudar a visão alheia, queria alterar o rumo das coisas e resolver problemas. Eu queria amar menos, ou amar direito. Queria que amar bastasse. Mas tudo que tenho é um coração egoísta quebrado, sangrando um choro ensaiado e antigo.
Eu fui embora e não sei se deveria ter ido. Eu fui embora de mim mesma.